"[...] o passado português caracteriza-se por os poderes políticos, sociais e económicos terem sempre estado nas mãos de uma minoria social intimamente dependente do Estado e proporcionalmente mais reduzida do que na maioria dos países europeus. Mas se assim foi, não teria este conjunto de fenómenos provocado em muitos portugueses a persistente convicção da inutilidade das previsões, a impossibilidade de assumir responsabilidades sociais e a irremediável capacidade de participar nas decisões? Se tudo era resolvido por uma pequena minoria que foi sempre aperfeiçoando a sua habilidade para garantir a perpetuação do poder, para quê o esforço, a poupança, a organização, o projecto, a associação, a luta? Se, além disso, o sucesso [...] estava praticamente garantido mas só para alguns, qualquer que fosse a sua competência, não seria mais rentável para os outros (para a maioria) exercitar os dotes da improvisação, a habilidade para viver o dia-a-dia, quando não o jeito para a pequena fraude, a economia paralela, a fuga aos impostos, a "cunha", o clientelismo?"
(José Mattoso, A identidade nacional, Gradiva, 1998)