segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Onomatopeia inconsequente
Descia a rua empedrada, carregada de sacos, malas, roupa e de si própria. Parecia apressada, apesar de àquela hora não ter ninguém à sua espera, porque há muitos anos que àquela hora não tinha ninguém à sua espera em parte alguma. Rivalizava com as pedras a frequência daquele percurso quotidiano. Nem a chuva nem qualquer outra intempérie quebrava este padrão. Ia provavelmente vazia de pensamentos, porque a pressa é muitas vezes inimiga do raciocínio. Mas cansava-se de se apressar e, de vez em quando, parava e olhava em volta, como se se quisesse certificar de que a rua não a enganava, que os edifícios não tinham sido movimentados, que a linha do horizonte continuava inalterada e que a imobilidade geral era garantia da direção certa. Os passos que dava eram, pelo contrário, inseguros, cambaleantes pelo peso do que carregava e pela fragilidade do corpo. Sussurrava algo impercetível a ouvidos alheios, como se a inexistência de interlocutor não impedisse verbalizações ou como se houvesse poesias escritas sem intenção de angariar leitores. A sua presença física não era notável e os restantes passeantes não demonstravam particular interesse na sua personagem, mas ela não estava consciente da inconsciência dos outros e continuava, sussurrante e pequena, apesar de acrescentada pelos acessórios que transportava.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Para mim, e no meio de tudo isso, a questão é: caíu dos saltos ou não?
Ass: Gattaca
Enviar um comentário